As notícias de uma criança de 10 anos vítima de estupro por familiar tomaram as principais manchetes do país nos últimos dias, por várias razões: a brutalidade do crime cometido supostamente por seu tio, a idade da vítima, o procedimento realizado e os protestos feitos no hospital em que a menor foi internada.
A análise, mesmo que breve e superficial, é extremamente importante para que a sociedade entenda a legislação atual – considerada um tabu – e as mulheres saibam seus direitos.
Analisaremos cada tema separadamente, fazendo breve conclusão ao final.
- Estupro ou estupro de vulnerável?
O estupro de vulnerável é previsto no artigo 217 do Código Penal (pena mínima de 08 anos), enquanto o estupro consta no artigo 213 do Código Penal (pena mínima de 06 anos). Segue a análise de suas diferenças.
O crime de estupro previsto no artigo 213 é definido como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Já o estupro de vulnerável é previsto no artigo 217 do Código Penal e mantém a mesma definição do estupro, trazida pelo artigo 213 citado acima, apresentando uma única diferença: a vítima do crime é um vulnerável.
Essa categoria (dos vulneráveis) é entendida juridicamente como aqueles que não têm o necessário discernimento para a prática do ato ou que não podem oferecer resistência. Os menores de 14 (catorze) anos de idade são assim compreendidos pelo seu estágio de desenvolvimento físico e mental incompleto.
Desta forma, o estupro de vulnerável tem pena mínima maior justamente por ser entendido que é de maior gravidade – vejam, a vítima tem uma condição especial, que a impede de oferecer resistência ou de compreender completamente o crime que ocorreu. Este foi o caso noticiado nos últimos dias, afinal, a vítima tem menos de catorze anos, ou seja, alguém que não tem condições de se defender, compreender e oferecer resistência ao crime realizado.
Assim, vemos que o delito foi praticado em sua pior forma, já que não existe sexo com menor de 14 anos de idade, isso é estupro, um crime! Como as crianças não têm legalmente a capacidade de consentir com atos sexuais, qualquer relação carnal é criminosa.
2. Aborto é crime?
Sim, o aborto é um crime previsto nos artigos 124 e seguintes do Código Penal, entretanto, há exceções. A legislação brasileira permite sua realização em caso de estupro, quando a gestação representa riscos para a gestante e de fetos anencéfalos.
No exemplo em discussão, o aborto foi feito por ser fruto de estupro e por ser uma gravidez de risco (psicológico e físico, pois se trata de uma criança de 10 anos de idade), ou seja, a situação se enquadra em duas das hipóteses previstas legalmente. Cumpre lembrar que nada ocorre sem a autorização dos representantes legais da menor.
Assim, o procedimento foi realizado de forma legal e de acordo com os parâmetros da lei brasileira. Logo, é possível notar que o caso em evidência ganhou os holofotes por várias razões, mas nenhuma ilegalidade foi cometida em todo o aborto.
3. Vazamento de dados pode?
Uma ativista da direita conservadora compartilhou nas redes sociais os dados da menor e do hospital em a criança estava internada, o que gerou protestos contra a família da criança e contra o médico responsável pelo procedimento de aborto. Este constrangimento corresponde à infração ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que preserva a saúde mental e psíquica da menor envolvida.
Como consequência, a justiça já determinou a retirada da publicação da internet, através de decisão liminar, e a ativista já responde a processo e pode ter que pagar até 1,3 milhão de reais pela infração, a título de indenização.
4. Conclusão.
Desta forma, chegamos à conclusão de que a criança, seus responsáveis legais e a equipe médica envolvida no procedimento não cometeram nenhum crime ao realizarem o aborto.
Por último, é importante esclarecer que a menor foi vítima dos seguintes crimes: estupro de vulnerável e da divulgação ilegal de seus dados, que culminou nas difamações realizadas pelas pessoas que protestaram em frente ao hospital.
O suspeito estava foragido, mas já foi preso preventivamente nos últimos dias. Devemos esperar o desfecho da investigação para realizar qualquer análise mais aprofundada sobre o caso – que apurará todas as suas minúcias, incluindo a coleta de provas. Entretanto, independentemente do resultado útil do processo, desde já esperamos que a criança receba todo o apoio psicológico que a situação pede.
Fantástico!!!!